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Como a prescrição tributária se aplica às empresas sucessoras
Por Editor Sacha Calmon
26 de março de 2018
Artigo publicado pela Revista Consultor Jurídico, em 22 de março de 2018, escrito pelo sócio do SCMD Henrique Napoleão Alves. O tema é a aplicação da prescrição tributária para empresas sucessoras, .
Como a prescrição tributária se aplica às empresas sucessoras
A sucessão de uma empresa por outra é fenômeno corriqueiro nas relações econômicas.
Também é bastante comum que as execuções fiscais ajuizadas contra a antecessora sejam redirecionadas para a sucessora, com base no artigo 129 do Código Tributário Nacional. Em situações assim, como a prescrição tributária se aplica? Como ela afeta a sucessora?
A disciplina do CTN
No caput do artigo 174, o CTN prevê que o prazo prescricional da execução fiscal se inicia a partir da data da constituição definitiva do crédito tributário.
Como o crédito tributário pode ser formalizado de diferentes maneiras, o que deve ser entendido por “data da sua constituição definitiva” varia conforme o caso.
No caso de sucessão tributária, defendemos que o artigo 174 se aplica da seguinte forma:
1. Nos termos do artigo 129 do CTN, a responsabilidade por sucessão tributária abrange tanto os créditos definitivamente constituídos quanto os créditos em curso de constituição à data dos atos que caracterizam a sucessão e os créditos constituídos posteriormente aos mesmos atos, mas relativos a obrigações tributárias surgidas anteriormente. Ou seja: a responsabilidade nasce a partir da sucessão.
2. O critério adotado pelo caput do artigo 174 do CTN é o de que a prescrição se inicia a partir do momento em que o devedor pode ser integralmente responsabilizado pela dívida tributária. Isso ocorre, nos casos regulares, a partir da constituição definitiva do crédito tributário; e, nos casos em que há alegação de sucessão tributária, a partir da referida sucessão.
A razão de ser do artigo 174 do CTN é impedir que determinado devedor possa ser surpreendido a qualquer tempo pela cobrança judicial de crédito tributário.
Por isso, quando se trata do devedor original, o termo inicial do prazo é a data da constituição definitiva do crédito tributário contra ele, momento no qual o crédito passou a ser exigível; e, quando se trata do devedor responsável em virtude do fenômeno da sucessão tributária, o termo inicial do prazo é o momento da sucessão (quando o crédito passa a ser exigível do sucessor).
A conclusão é reforçada, ademais, pelos artigos 3º e 142 do CTN, que dão ao Fisco o poder-dever de apurar os fatos e agir conforme os ditames legais[1]. O termo inicial, assim, só pode ser o momento em que era possível ao Fisco constatar a sucessão e promover o redirecionamento.
O “princípio” da actio nata
Comumente chamada de “princípio”, a actio nata é uma expressão utilizada em Direito Tributário para se referir às condições de fruição de um determinado direito processual — e, por consequência, ao termo inicial do prazo para exercer esse direito.
Essencialmente, a expressão quer significar que “só pode haver extinção de direito em razão da inércia, se tal direito puder ser exercido”[2].
Não é, contudo, um “princípio” nos sentidos tradicionais da palavra, mas um conceito decorrente de uma interpretação lógica do Direito — tão lógica que Lon Fuller, autor do famoso Caso dos Exploradores de Cavernas, afirmou que qualquer sistema jurídico precisa observar a máxima de que as normas não devem exigir condutas para além da capacidade das pessoas afetadas[3].
A aplicação da máxima também conduz à tese de que o prazo prescricional tem início na data a partir da qual o Fisco pode exercer o seu direito processual de imputar o débito por responsabilidade em sucessão.
A jurisprudência do STJ
O redirecionamento da execução fiscal é um gênero do qual são espécies tanto o redirecionamento para empresa sucessora quanto o redirecionamento para administrador(es). Esta última é a situação mais comum, o que se reflete na jurisprudência, bem mais farta quanto a esse tipo de situação.
Sobre o tema, formou-se jurisprudência no Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o prazo prescricional para o redirecionamento da execução contra o sócio começa com a citação da pessoa jurídica[4].
No REsp 1.095.687/SP, o mesmo STJ, por outro lado, entendeu que a citação da pessoa jurídica não deve ser o termo a quo, pois “elege situação desvinculada da inércia que implacavelmente deva ser atribuída à parte credora” (decisão por maioria de votos)[5].
Considerando a situação de sucessão tributária, de fato ou de direito, o termo inicial sempre será o da data em que a sucessão ocorreu (momento em que nasce a responsabilidade por sucessão).
Afinal, como a Fazenda detém o poder-dever de fiscalizar, é a partir daí que se inicia a possível inércia atribuível à parte credora.
[1] A expressão “poder-dever de fiscalizar” foi utilizada, v.g., pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) no Acórdão 3802-001.074 (3ª Seção, 2ª Turma Especial, j. 26/11/2012, publ. 26/11/2012) (“O Fisco verificou irregularidades na compensação, constituindo o crédito tributário, antes de encerrado o prazo decadencial, cumprindo assim o seu poder-dever de fiscalizar as operações realizadas pelo contribuinte e efetuando o lançamento, que é ato vinculado e obrigatório.”). Sobre os artigos 3º e 142 do CTN em geral, ver: BALEEIRO, Aliomar; DERZI, Misabel (atualizadora). Direito Tributário Brasileiro. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.30-37, 1179-1188.
[2] Assim ela foi definida, com acerto e grande capacidade de síntese, pelo Conselho de Contribuintes de Minas Gerais. Cf. CCMG, 3ª Câmara, Acórdão: 20.108/11/3ª, PTA/AI 01.000169450-32, Impugnação 40.010129431-42, p.3.
[3] FULLER, Lon. The Morality of Law. New Haven: Yale University Press, 1964, p.39.
[4] São muitos os acórdãos nesse sentido: REsp 205.887, REsp 595.979/SP, REsp 401.456/SP, REsp 615.926/RJ, AgRg no REsp 646.190/RS e REsp 975.691/RS, dentre outros.
[5] STJ, 2ª Turma, REsp 1.095.687/SP, rel. min. Castro Meira, rel. p/ o acórdão min. Herman Benjamin, j.15/12/2009, publ. DJe 8/10/2010 RSTJ vol. 221 p. 406.