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Estado de Minas publica artigo do Prof. Sacha Calmon

09 de setembro de 2007

A edição de hoje do jornal Estado de Minas publica artigo do Prof. Sacha Calmon sobre o julgamento do “caso mensalão” pelo STF.  

A questão dos foros  

Nem a renúncia marota dos cinco deputados desfará o foro. Vale o momento da abertura do processo  

Para Bianor, metaforicamente, o aceite da denúncia pelo Supremo Tribunal Federal (STF) equivale à queda do muro de Berlim. O PT foi atingido em cheio e o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, para quem os fins justificam os meios – tanto quanto o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), provável candidato a denunciado no STF –, é hoje réu de crimes capitulados no Código Penal. O partido da ex-ética na política timbrava na tese de que o mensalão não existira, tudo era arrecadação partidária, por baixo do pano, “coisa que todo partido fazia”. O mote partira de Nonô Bastos, logo aceito pelo partido e o presidente Lula, na tentativa de “descriminalizar” o mensalão, mera questão eleitoral. Do exterior, Lula deu entrevista chancelando a tese. Mais tarde, com a popularidade em 29% – antes de turbinar o programa Bolsa-Família –, viu-se obrigado a dizer que fora “traído” por alguns companheiros, mas não deu o nome de ninguém. Nem podia, porque entre os traidores uns são reais “arquivos vivos” da sua trajetória política, inclusive na Presidência. Tornou-se logo em seguida um “republicano”, que os poderes estabelecidos julgassem o caso. Suponho sua quase certeza de que a denúncia seria repelida em sua maior parte no STF, salvando, no mínimo, seus auxiliares mais próximos. Pois não fizera ele seis dos seus ministros? (Ayres Britto, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski.) Olvidou-se de que os ministros são independentes, probos e vitalícios. Não podem ser demitidos pelo presidente, nem por ninguém.  

Como bem disse o ministro Celso de Mello, o atual decano, “ninguém está acima da Constituição e das leis da República” (nem mesmo os ministros do STF). Por isso mesmo, um dos seis indicados, o sergipano Carlos Ayres Britto, pontificou: “Eu me permito dizer que, onde a ética na política não é tudo, a política é nada”. Tocou no punctun dolens da questão. São pessoas que estão sendo julgadas, mas no banco dos réus uma figura assombra os brasileiros, o seu nome é “ética na política”, a expressão que separa a verdade e a dignidade da mentira e da safadeza, o público do privado, a seriedade da galhofa, a democracia da demagogia, a confiança nas instituições da descrença nelas. Por isso, a aceitação da denúncia pelo relator e as declarações de voto dos ministros assumiram inusitada importância na vida da República. Nem pensar que os tecnicismos judiciais tão bem manejados pelos criminalistas redundarãoem absolvições. Não é, neste caso, o status libertatis dos seres humanos que está na berlinda, mas a libertinagem desenvolta de um bando de malfeitores que manipulou dinheiro público e valores éticos caros à vida da nação. O julgamento será político – no bom sentido – e não apenas jurídico, como convém à República e seus cidadãos. “Os fatos são claríssimos”, anunciou o relator Joaquim Barbosa. “Se isso não caracteriza formação de quadrilha, teremos muita dificuldade daqui para a frente”, logo secundado pelo ministro Celso de Mello: “Os elementos indicam que o modus operandi do repasse de recursos entre os partidos não prescindia da ciência e do aval de José Dirceu.” O ministro Gilmar Mendes não se quedou silente: “Há fortes indícios de que este sistema precisava de um amplo respaldo político”. Ouvimos o Supremo dizer, por um dos seus mais conspícuos ministros: “É preciso reconhecer que os cidadãos desta República têm direito a um governo honesto”.  

Neste julgamento, será o “conjunto da obra” mais que a responsabilidade individual dos envolvidos, confessos declarados ou presumidos pelo silêncio que se impuseram, que fundamentará o veredicto final. De notar que o foro privilegiado é vantajoso. Há uma só instância, os julgadores atuam colegiadamente, os argumentos de insuficiência de provas, o in dubio pro reo e os recursos por “cerceamento de defesa” não serão possíveis, mas que teriam vez se os réus fossem julgados em primeira instância. Acima dos ministros, há somente Deus, que perdoa vez por outra, mas não recebe apelações subscritas por advogados, por delas prescindir em sua onisciência. Bianor arrematou com o brocardo latino: Vox populi, vox dei.  

Não há risco de prescrição. A oitiva de testemunhas, juntada de documentos, as acareações serão delegadas aos juízes federais (juízes de instrução) e remetidas ao STF. Nem a renúncia marota dos cinco deputados desfará o foro. Vale o momento da abertura do processo. A quadrilha agora quer voltar correndo para a primeira instância. Há o precedente de Collor e o ditado da Primeira República, quando analfabeto não votava: “Escreveu, não leu, o pau comeu”. Se restar um mínimo de dignidade nestes desonestos, certamente não irão usar a saída da renúncia dos parlamentares. A uma, há o risco quase certo de não dar certo. A duas, é sabido que no Brasil políticos, exceto alguns, somente saem de cena no tabefe, porque não têm mesmo vergonha na cara.  

Sacha Calmon, Advogado tributarista e professor titular de direito tributário

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