Publicações

Notícias

ConJur entrevista Misabel Derzi sobre a perenização da CPMF

16 de dezembro de 2006

A edição de hoje da revista eletrônica Consultor Jurídico traz reportagem sobre o projeto do Governo Federal de tornar permanente a CPMF. A matéria reproduz a opinião da Profa. Misabel Derzi.  

P de permanente  

CPMF apenas para fiscalizar divide especialistas  

por Aline Pinheiro  

Projeto aprovado esta semana pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado pretende dar outro fim para a CPMF. A idéia é tornar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira permanente, simbólica e fiscalizatória. Ou seja, apenas uma ferramenta auxiliar para o combate à sonegação fiscal, e não instrumento de arrecadação. A proposta do Senado divide dois dos maiores nomes do Direito Tributário no Brasil: Ives Gandra da Silva Martins e Misabel Derzi.  

A Proposta de Emenda Constitucional 57/04 sugere a redução gradativa da alíquota da CPMF de 0,38% (valor cobrado hoje) para 0,08%. A CCJ, Ives Gandra Martins e Misabel Derzi concordam em um ponto: a CPMF não pode ser usada para arrecadação. As concordâncias acabam aí. Martins defende que a contribuição, ao tributar o dinheiro, é uma das causas os altos juros do país. Para ele, o imposto deveria ser extinto. “Surgiu como provisório, foi prorrogado por três vezes e virou dependência química.” O tributarista é cético quanto à proposta de reduzir a alíquota. “Quando chegar na hora de reduzir, vai surgiu outra emenda constitucional barrando a redução”, afirma. A justificativa de que a CPMF serve como instrumento de fiscalização pela Receita Federal também não convence Martins. Para isso, diz o advogado, existem os sistemas de informática que, a partir do cruzamento de dados, permitem a fiscalização. “De todos os países civilizados, apenas Brasil, Argentina e Colômbia têm CMPF.”  

Misabel Derzi discorda. Para ela, a CPMF pode e deve ser usada como instrumento de fiscalização. “A contribuição não pode ser fonte arrecadatória, mas pode ser fiscalizatória”, defende. Para a advogada, o instrumento tem de ser usado com cautela, sob pena de todo contribuinte ter de memorizar as operações que fez para poder justificar porque não declarou determinada quantia. Ela apresenta o exemplo francês como modelo.  

Na França, não há sigilo bancário para o fisco. Mas só são notificados contribuintes que tenham declarado menos da metade da quantia que movimentaram no banco. Para Misabel, o critério é adequado porque impede que todo contribuinte tenha de se justificar, já que nem sempre uma movimentação financeira caracteriza aumento de renda passível de tributação. Misabel não acredita na extinção do sigilo bancário no Brasil. Mas defende que as regras francesas que evitam o abuso na fiscalização da Receita sejam aplicadas ao caso da CPMF.  

Por enquanto, no Congresso, o que prevalece é a posição de Misabel. Mas a Proposta de Emenda Constitucional ainda tem uma longa tramitação pela frente. Se aprovada no plenário do Senado, segue para a Câmara dos Deputados. Se não houver qualquer modificação vai à sanção. Caso contrário, a proposta volta ao Senado. Enquanto isso, até 2007, o contribuinte continua a pagar 0,38% sobre cada movimentação financeira.  

Veja o projeto

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO N° DE 2004

Reduz a alíquota da contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira e autoriza a instituição de contribuição idêntica,em caráter permanente.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3° do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:

Art. 1° O art. 195 da Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações: "Art. 195. ………………………………………………………… ………

V – sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira. ………

§ 14. A contribuição prevista no inciso V do caput:

I – terá alíquota máxima de oito centésimos por cento;

II – não se sujeita ao disposto no art. 153, § 5°;

III – terá o produto de sua arrecadação destinado a programas sociais".

Art. 2° O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido do seguinte artigo:

"Art. 95. Enquanto não se iniciar a cobrança da contribuição social prevista no art. 195, V, da Constituição, será exigida a contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira, prevista nos arts. 84 e 90 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

§ 1° A alíquota de trinta e oito centésimos por cento de que trata o art. 90, § 2º, deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias será reduzida para:

a) vinte e oito centésimos por cento a partir de 1° de julho de 2005;

b) vinte e quatro centésimos por cento a partir de 1º de janeiro de 2006;

c) vinte centésimos por cento a partir de 1º de julho de 2006;

d) dezesseis centésimos por cento a partir de 1º de janeiro de 2007;

e) doze centésimos por cento a partir de 1º de julho de 2007.

§ 2º A lei que instituir a contribuição prevista no art. 195, V, da Constituição, manterá as hipóteses de não incidência estabelecidas no art. 85 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. §

3º Se a lei a que se refere o § 2º não for publicada até 3 de outubro de 2007, a contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira de que trata a parte final do caput será exigida à alíquota de oito centésimos por cento, a partir de 1º de janeiro de 2008 até que seja iniciada a cobrança da contribuição de que trata o art. 195, V, da Constituição, prorrogando-se, nesse período, a vigência da Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996, e suas alterações.

§ 4° Observado o disposto no art. 76 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o produto da arrecadação da contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira terá a seguinte destinação:

I – cinqüenta e três por cento para financiamento das ações e serviços da saúde;

II – vinte e seis por cento ao custeio da previdência social;

III – vinte e um por cento para o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, de que tratam os arts. 80 e 81 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias."

Art. 3° Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

A presente proposta de emenda à Constituição tem o duplo objetivo de:

a) reduzir, gradualmente, a alíquota da contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira (CPMF);

b) transformá-la em contribuição permanente, que, com alíquota máxima de oito centésimos por cento, a partir de 1º de janeiro de 2008, terá caráter eminentemente fiscalizatório.

2. É sabido que a prorrogação da CPMF constituiu um dos pontos prioritários da Reforma Tributária submetida pelo Governo ao Congresso Nacional, por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 41, de 2003. Segundo o art. 84 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), acrescido pela Emenda Constitucional (EC) nº 37, de 2002, a CPMF seria cobrada até 31 de dezembro de 2004; a alíquota de trinta e oito centésimos por cento decresceria para oito centésimos por cento, em 2004. Com a promulgação da EC nº 42, de 2003, oriunda da PEC nº 41, de 2003, a CPMF teve sua vigência estendida até 31 de dezembro de 2007, com a alíquota de trinta e oito centésimos por cento.

3. Durante a tramitação, no Senado, da PEC nº 74, de 2003, oriunda da retrorreferida PEC nº 41, de 2003, apresentamos as Emendas Substitutivas nº 359 (perante a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) e 261 (de Plenário), oferecendo à apreciação do Senado Federal uma proposta de reforma tributária, entendida como um processo amplo, de várias etapas, que precisavam ser construídas e vencidas, de modo a garantir a efetividade de um novo sistema tributário, moderno e eficiente. Além do equilíbrio fiscal, outros elementos fundamentais foram considerados na proposta, a saber: defesa do contribuinte, melhoria da competitividade da economia e fortalecimento da Federação, por meio de mudanças profundas de competências e repartições, desenhadas de modo coordenado e implementadas gradualmente.

4. A proposta de nossa autoria definiu um processo com três fases de implantação, a saber:

a) a primeira, emergencial, compreendendo medidas que exigiam aprovação urgente como a prorrogação da CPMF e da Desvinculação das Receitas da União (DRU) e tendo como foco predominante o ajuste fiscal, para entrar em vigência no exercício de 2004;

b) a segunda, de transição, contemplando medidas, para vigência no ano seguinte, voltadas para a melhoria da competitividade — como a desoneração ampla das exportações e dos investimentos, e a unificação do ICMS — tendo como visão estratégica predominante a defesa do contribuinte;

c) a terceira, estruturante, que exigiria debates mais profundos no Congresso Nacional, teria como meta a implementação, no ano de 2007, das mudanças de maior vulto, como a redução do número de tributos mediante a criação de um imposto único sobre o valor adicionado e o estabelecimento de novas competências tributárias – inclusive compartilhadas — bem como inovações na sistemática de transferência de recursos.

5. A despeito de integrada no elenco de medidas emergenciais, a prorrogação pura e simples, por quatro anos, desse tributo de má qualidade, com alíquota tão elevada, não se coadunava, evidentemente, com nossa proposta de reforma tributária. Firmou-se, então, um amplo entendimento, mediante o qual:

a)se aprovaria, no Senado, a prorrogação da CPMF, tal como veio da Câmara dos Deputados, para vigência imediata, como queria o Governo;

b) se daria curso a uma proposição autônoma, de aprovação compromissada, com o objetivo de reduzir, progressivamente, a partir de 2005, a alíquota da CPMF até oito centésimo por cento, nível que seria mantido daí para a frente.

6. Na época desse acordo, em fins de 2003, estimava-se que essa proposta tivesse curso imediato, por isso trabalhou-se com a hipótese de se implementá-la por meio de lei. Todavia, dado o objetivo de viabilizar a redução a CPMF a partir de 2005, conforme prometido originariamente, e o decurso do prazo sem que essa proposta tenha tido curso, tomamos a iniciativa de formular a presente PEC já com uma regra explícita de redução da CPMF a partir de 1º de julho de 2005.

7. Na esteira da mudança havida em 2002 na cobrança da contribuição para os Programas de Integração Social (PIS) e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), com a adoção do sistema de não-cumulatividade e o aumento da respectiva alíquota de 0,65% para 1,65%, em 2003, o Governo também alterou o sistema de cobrança da contribuição para o financiamento da seguridade social (COFINS), adotando a não-cumulatividade e aumentando sua alíquota de 3% para 7,6%.

8. Em 2004, no primeiro semestre, o Governo promoveu a instituição da cobrança das contribuições do PIS/PASEP e da COFINS sobre a importação de bens ou serviços do exterior, criadas pela reforma tributária aprovada pela EC nº 42, de 2003, fixando suas alíquotas, respectivamente, em 1,65% e 7,6%. Com essas alterações no sistema tributário, o governo obteve uma substancial elevação de receita (como fração do Produto Interno Bruto – PIB), de sorte que a carga tributária elevou-se consideravelmente.

9. A arrecadação do PIS/PASEP no período de janeiro a outubro de 2004, incluído o PIS/PASEP-importação, foi de R$ 15,9 bilhões. Segundo projeções, de que dispomos, o total anual nesse exercício deverá ser de, no mínimo, R$ 19,0 bilhões. Analogamente, a receita da COFINS, inclusive a COFINS-importação, até outubro de 2004, foi de R$ 62,9 bilhões e, será, até dezembro, de, no mínimo, R$ 76,2 bilhões. Ora, sob a hipótese de que, em 2004, o crescimento do PIB seja de 4,5% e de que a inflação, medida pelo Índice Geral de Preços (IGP), seja de 11,5%, para que a receita do PIS/PASEP ficasse constante como fração do PIB em comparação com 2002, a receita em 2004 teria que ser de R$ 16,1 bilhões. Logo, haverá um ganho de receita na arrecadação do PIS/PASEP que constitui elevação de carga tributária, na comparação de 2004 com 2002, de, pelo menos, R$ 2,9 bilhões (19,0-16,1). A receita da COFINS em 2004 deveria ser de R$ 69,4 bilhões, se ela crescesse de 2003 para 2004 na mesma velocidade do IGP e do produto real. Ela será, no mínimo, de R$ 76,2 bilhões, o que significa uma elevação de carga tributária de R$ 6,8 bilhões (76,2 – 69,4). Assim, há uma elevação de carga tributária na totalização do PIS/PASEP e da COFINS de R$ 9,7 bilhões (6,8+2,9). Esse ganho corresponde a aproximadamente 37% da receita de CPMF. Assim, sem prejudicar o ajustamento fiscal, é possível iniciar o processo de redução da CPMF a partir de 2005, substituindo-se esse tributo, que é reconhecidamente de má qualidade, pelo aumento de arrecadação daquelas contribuições.

10. Ressalte-se que o ganho da receita associado à elevação da carga tributária referente à soma do PIS/PASEP e da COFINS, totalizando R$ 9,7 bilhões conforme mostrado acima, é suficiente para cobrir a perda de arrecadação com a redução da alíquota da CPMF até o segundo semestre de 2006. Dado que a arrecadação da CPMF deste ano, segundo projeção oficial, deverá ser de R$ 25,9 bilhões, a redução da alíquota da CPMF de 0,38% para 0,28% representaria uma perda de receita de R$ 3,4 bilhões no segundo semestre de 2005, sendo que essa perda de receita aumentaria para RS 4,8 bilhões no primeiro semestre de 2006 e para R$ 6,1 bilhões no segundo semestre de 2006, quando alíquota fosse reduzida para 0,20%. Assim, em 2005 a perda de arrecadação decorrente da redução do CPMF seria menor do que o aumento já observado da receita do PIS/PASEP e da COFINS e, em 2006, a perda de arrecadação anual do CPMF seria muito próximo ao aumento observado do PIS/PASEP e da COFINS. Isso indica que o governo terá pelo menos dois anos para adequar sua estrutura de gastos e receitas à redução permanente e progressiva da alíquota do CPMF.

11. Os cálculos acima demonstrados são bem conservadores. Isso fica mais evidenciado quando se refazem os cálculos adotando outro caminho. Em 2002, a receita de PIS/PASEP foi de R$ 12,9 bi que correspondeu a 0,96% do PIB de 2002. A COFINS de 2002 foi R$ 52,3 bi que correspondeu a 3,88% do PIB de 2002. Supondo que o PIB de 2004 seja o de 2003, com deflator implícito de 11% e crescimento real de 4,5%, obtemos um PIB nominal de R$ 1.757,2 bi. Ora, admitindo que a carga tributária ficasse constante, a receita de PIS/PASEP teria que ser de R$ 16,8 bi e a da COFINS de R$ 68,2 bi. O governo projeta que a receita de PIS/PASEP será de R$ 20,1 bi e a de COFINS será de R$ 79,1 bi, conforme consta do Decreto nº 5.178, de 13 de agosto de 2004. Logo, há uma elevação de carga tributária que corresponde a R$ 3,3 bi para PIS/PASEP e R$ 10,8 bi para a COFINS, totalizando R$ 14 bi, bem acima dos R$ 9,7 bi que estabelecemos de acordo com os cálculos demonstrados anteriormente.

12. Note-se que, se a inflação em 2004, medida pelo IGP, for menor do que 11,5% e se o crescimento do PIB real for menor do que 4,5%, os mesmos valores observados até outubro e previstos até dezembro para a arrecadação de PIS/PASEP e COFINS representarão um valor maior para a elevação de carga tributária. É de se notar, ainda, que na previsão da receita de PIS/PASEP e COFINS de outubro a dezembro de 2004 não se incorporou a elevação permanente que houve da alíquota média da contribuição. Conseqüentemente, aqueles valores estão subestimados. Adicionalmente, considerou-se o padrão de sazonalidade ocorrente na arrecadação dos tributos durante o ano. Assim, esperando merecer o apoio dos nobres Pares no sentido de efetivar o amplo entendimento havido com o propósito de reduzir a CPMF a partir de 2005, submetemos a presente proposta de emenda constitucional à apreciação de ambas as Casas do Congresso Nacional.

Sala das Sessões,

Revista Consultor Jurídico, 16 de dezembro de 2006    

Compartilhar