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Igor Mauler no ConJur: Distribuidora de energia não pode ser obrigada a arrecadar a CIP de graça
22 de julho de 2015
A Revista Eletrônica Consultor Jurídico publicou artigo do sócio Igor Mauler Santiago sobre a Contribuição de Iluminação Pública (CIP), confira:
Distribuidora de energia não pode ser obrigada a arrecadar a CIP de graça
Por Igor Mauler Santiago
O artigo 149-A da Constituição é lacônico. Autoriza os municípios a instituírem contribuição “para o custeio do serviço de iluminação pública” e faculta a sua cobrança “na fatura de consumo de energia elétrica”.
Donde as inevitáveis controvérsias. A primeira aludiu à natureza jurídica específica da Contribuição de Iluminação Pública (CIP), tendo havido quem a classificasse como imposto[1], taxa[2] e Cide [3]. A disputa foi encerrada no Recurso Extraordinário 573.675/SC, onde o STF a definiu como “um novo tipo de contribuição, que refoge aos padrões estabelecidos nos artigos 149 e 195 da Constituição Federal” [4].
Embora a matéria ainda suscite debate, parece assentado que o elemento distintivo das contribuições é o intuito de custear uma atuação estatal relacionada, ainda que indiretamente, ao universo dos contribuintes[5]. Ora, os beneficiários da iluminação pública são os munícipes, e não as distribuidoras de energia. Logo, aqueles, e não estas, são os contribuintes da CIP.
Este segundo ponto jamais foi objeto de dúvida séria, tendo-se o debate centrado em outra questão, mais retórica do que real: saber se a CIP, em princípio exigível de todos os munícipes, poderia, sem quebra da isonomia, ser cobrada apenas daqueles cadastrados como consumidores de energia — como se houvesse uma diferença relevante entre esses dois grupos, ante o dever de universalização do serviço. A questão foi enfrentada no já citado RE 573.675/SC, e a resposta foi afirmativa.
A terceira polêmica concerne ao sentido do parágrafo único do artigo 149-A. Ao permitir a cobrança da CIP na fatura, o dispositivo (a) legitima a assimilação entre contribuintes da CIP e consumidores de energia e (b)afasta a necessidade de um lançamento tributário stricto sensu, feito pela autoridade fiscal.
O parágrafo, porém, não explicita a natureza da relação havida entre o município e a distribuidora para que a exigência do tributo na fatura seja possível, se de índole contratual (com remuneração à distribuidora pelo serviço de cobrança), como sempre se entendeu, ou consistente em responsabilidade tributária, sem qualquer contrapartida à concessionária, como vêm sustentando alguns.
A resposta a esta indagação pressupõe considerações de índole regulatória e tributária. Anote-se de saída que o serviço de iluminação pública vai muito além do pagamento, pelo Município, das contas relativas à energia consumida pelas lâmpadas instaladas em logradouros públicos. Segundo a Resolução Normativa Aneel 414/2010, ele abrange “a elaboração de projeto, a implantação, expansão, operação e manutenção das instalações de iluminação pública”, bem como a “ampliação de capacidade ou reforma de subestações alimentadoras e linhas já existentes, quando necessárias ao atendimento das instalações de iluminação pública” (artigo 21, caput e parágrafo 2º).
Claro, assim, que apenas uma parte da arrecadação da CIP será destinada à distribuidora, sendo o saldo apropriado pelo Município para fazer face às demais atividades acima listadas. Afasta-se com isso o preconceito de que as distribuidoras seriam as únicas interessadas na arrecadação da CIP, do que resultaria o descabimento de qualquer contrapartida por tal atividade.
Ora, a verdade é que estas têm o direito de apropriar-se do valor integral da energia fornecida ao município, não devendo arcar com o custo da obtenção, por este, dos montantes necessários ao pagamento. Atenta a isso, a Aneel inclui entre as cláusulas obrigatórias do contrato de fornecimento para iluminação pública aquela relativa às “condições para inclusão da cobrança” da CIP “na fatura de energia elétrica” (Resolução Normativa Aneel 414/2014, artigo 68, inciso IX). Isso sem falar que as Leis 9.074/95 (artigo 4º, parágrafo 5º, inciso V) e 8.987/95 (artigo 11) garantem às distribuidoras o direito à remuneração por serviços diversos do fornecimento de energia, determinando ademais que uma parte desta receita seja destinada a subvencionar a tarifa, a bem da modicidade.
Cumprindo tal comando, a Resolução Normativa Aneel 457/2001 determina que só 40% da receita do serviço de cobrança em favor de terceiros fiquem com a distribuidora, sendo 20% destinados à Agência, para cobrir a chamada despesa regulatória, e os restantes 40% empregados na garantia da modicidade.
A vinculação dos municípios a este plexo normativo decorre do artigo 22, inciso IV, da Constituição, que atribui competência privativa à União para legislar sobre energia elétrica. Tal competência foi interpretada de forma ampla pelo STF no Recurso Extraordinário 581.947/RO[6], precisamente para impedir a imposição às distribuidoras de ônus municipal não-tributário (ali, a cobrança pelo uso do espaço urbano; aqui, a assunção do custo da atividade de arrecadação fiscal) que interferisse com a adequada prestação do serviço federal, tal como disciplinado pelo Poder Concedente (o aspecto posto em risco aqui é a garantia da modicidade tarifária).
Adentrando o campo tributário, convém lembrar que o artigo 128 do CTN impõe que o responsável (por substituição ou transferência) seja pessoa ligada ao fato gerador da obrigação, de modo a vedar a arbitrariedade na sua escolha e a garantir que – salvo na transferência motivada por infrações (CTN, artigos 134 e 135) – o seu patrimônio não arque com o ônus tributário.
Ora, o fato de a distribuidora fornecer energia aos contribuintes da CIP e emitir fatura contra eles não basta para configurar o vínculo de que trata o artigo 128, que deve ser do responsável com o fato gerador do tributo, e não com o respectivo contribuinte. E o fato gerador da CIP – “elaboração de projeto”, “implantação, expansão, operação e manutenção das instalações de iluminação pública” – é realizado exclusivamente pelo município, sendo a distribuidora mera fornecedora do insumo necessário a uma dessas múltiplas atividades.
Mas há mais. Analisada a substituição para trás — a única forma de responsabilidade tributária em que se poderia pensar, por absoluta exclusão das demais (transferência e substituição para a frente) — percebe-se que o substituto é sempre o solvens da relação privada mantida com o substituído: a fonte pagadora dos rendimentos, no IR; a distribuidora que adquire energia junto à geradora, no ICMS; o contratante dos serviços, no ISS…
Em suma, o substituto entrega ao Estado uma parcela do preço que pagaria ao substituído, sem incorrer em qualquer custo adicional e sem maiores dificuldades quanto a obrigações tributárias acessórias.
No âmbito da CIP, o pretenso substituto é, não o solvens, mas o accipiens da relação privada mantida com o contribuinte, o que lhe impõe acrescer o valor do tributo ao seu preço e diligenciar ativamente — com todos os custos daí advindos — para receber em prol do Estado uma importância que, doutro modo, jamais transitaria pelo seu caixa.
Noutras palavras: não se trata de tirar proveito de uma situação já constituída para simplificar os afazeres do Fisco, o que é válido, mas de terceirizar a arrecadação tributária a particulares, impondo-lhes que obtenham junto a seus clientes valores adicionais àqueles que decorreriam da relação de Direito Privado que os liga, e depois os repassem ao Estado, tudo sem qualquer contraprestação.
Uma tal exigência só encontra respaldo no âmbito da substituição para a frente. De fato, tratando-se de tributo devido por terceiro quanto a fato futuro, tem-se que o seu ônus não está embutido no preço praticado pelo substituto, devendo ser cobrado em separado e depois transferido ao Estado. Mas o regime não se aplica à CIP, seja porque não se está a falar de fato futuro ou base presumida, seja porque a substituição progressiva exige que o substituto e o substituído sejam contribuintes da exação em causa[7], o que se justifica precisamente para evitar a imposição ao primeiro de obrigações acessórias diversas das que já teria de cumprir. E a distribuidora de energia, já se viu, não é contribuinte da CIP.
O caso é, portanto, de autêntica cobrança em favor de terceiros, a exigir contrato. Nesta, que não é inédita na seara tributária, a remuneração do arrecadador é a regra. A Receita Federal do Brasil, por exemplo, fica com 3,5% da receita das contribuições que cobra em prol do Sistema S e do Incra, e com 1% do salário-educação, que repassa ao FNDE (Lei 11.457/2007, artigo 3º, parágrafos 1º, 2º e 6º; Lei 9.426/96, artigo 15, parágrafo 1º).
Outros agentes desvinculados da relação tributária que atuam na arrecadação são as instituições financeiras, remuneradas — no âmbito da União — à razão de R$ 0,40 por documento processado, seja por pagamento em dinheiro, seja por compensação com a Cofins devida (Portaria do Ministério da Fazenda 479/2000, artigo 10; Lei 9.718/98, artigo 3º, parágrafos 10 a 12).
Esta, por todas as razões acima enunciadas, a solução que deve prevalecer também para as distribuidoras, no que diz respeito à CIP.
[1] Kiyoshi Harada. Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública. InRepertório IOB de Jurisprudência: Tributário e Constitucional, nº 6, p. 218-215.
[2] Ives Gandra da Silva Martins. A Contribuição para a Iluminação Pública. In Revista Dialética de Direito Tributário nº 90. São Paulo: Dialética, 2003, p. 62-70.
[3] Márcio Maia de Brito. Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública. Natureza Jurídica. In Revista Dialética de Direito Tributário nº 113. São Paulo: Dialética, 2005, p. 72-80.
[4] STF, Pleno, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, DJe 22.05.2009.
[5] Ver, por todos, Sacha Calmon Navarro Coêlho. Contribuições no Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 69.
[6] Pleno, Relator Ministro Eros Grau, DJe 27.08.2010
[7] Segundo o artigo 150, parágrafo 7º da Constituição, “a lei poderá atribuira sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente…”.