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Misabel Derzi e Igor Santiago publicam artigo no Valor sobre IPI alíquota 0
23 de abril de 2007
A edição de hoje do jornal Valor Econômico traz artigo conjunto da Profa. Misabel Derzi e de Igor Mauler Santiago sobre os efeitos da decisão do STF que alterou o seu entendimento sobre o direito de crédito de IPI na aquisição de produtos sujeitos à alíquota zero do imposto.
A mudança do STF e os créditos de IPI
Misabel Abreu M. Derzi e Igor Mauler Santiago
No dia 15 de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que não há direito a créditos de IPI na compra de produtos sujeitos à alíquota zero, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 370.682, de Santa Catarina. Ao fazê-lo, mudou a sua posição anterior sobre o tema, firmada no Recurso Extraordinário nº 350.446, do Paraná. Tal posição era considerada firme pelo próprio tribunal, tanto que dezenas de recursos extraordinários foram julgados monocraticamente com base nela.
Durante décadas, à luz da Constituição Federal anterior, o Supremo garantiu aos contribuintes do IPI e do ICM os créditos por operações isentas. Tanto é assim que os Estados forçaram a aprovação da Emenda Constitucional nº 23, de 1983, que vedou o aproveitamento desses créditos no ICM, nada dizendo sobre o IPI, padrão que foi mantido pela Constituição Federal de 1988. Daí ter o Supremo reconhecido o direito aos créditos de IPI quanto aos produtos isentos no julgamento do Recurso Extraordinário nº 212.484, do Rio Grande do Sul, e sujeitos à alíquota zero (decisão acima referida).
De notar que vários contribuintes – confiando na definitividade da posição da corte – tomaram créditos por insumos sujeitos à alíquota zero, ainda que sem trânsito em julgado ou mesmo sem ajuizamento de uma ação própria.
Caracterizada a alteração jurisprudencial, levantou o ministro Ricardo Lewandowski uma questão de ordem – ainda não decidida – sobre a necessidade de darem-se efeitos prospectivos à nova decisão. Parece-nos que sua proposta merece prosperar.
A decisão de inconstitucionalidade deve ser dotada de eficácia apenas futura sempre que sua retroação comprometa a segurança jurídica, beneficiando o Estado, autor da inconstitucionalidade, e prejudicando os particulares, que não deram causa ao vício e teriam a sua situação agravada com a anulação retroativa da norma.
Tal tendência verifica-se também no direito comparado. Na Alemanha, havendo risco para a segurança jurídica, recorre o Tribunal Constitucional Federal à declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, dando à sua decisão efeitos apenas prospectivos, e às vezes mesmo diferidos, isto é, permitindo a sobrevivência, por um tempo, da norma invalidada.
A Suprema Corte americana, no caso "Stovall versus Denno", decidiu que a retroação da decisão de inconstitucionalidade não é automática, devendo ser definida caso a caso, segundo a extensão da confiança que inspirara a norma invalidada e os resultados que decorreriam da sua invalidação retroativa.
Não se pode permitir que a evolução jurisprudencial, fato normal no direito, ponha em risco a segurança jurídica A solução torna-se ainda mais inafastável quando a confiança na norma agora fulminada se tenha baseado em manifestação anterior da corte constitucional sobre sua constitucionalidade e correta interpretação.
Nesse sentido tem-se orientado a jurisprudência do Supremo. É o que se constata no Inquérito nº 687, de São Paulo, em que se decidiu cancelar a Súmula nº 394, que trata do foro especial mesmo após o abandono do cargo, ressalvando-se, por unanimidade, as decisões proferidas com base na súmula. Ou no Habeas Corpus nº 82.959-7, também de São Paulo,
O caso em análise é idêntico. A evolução da jurisprudência é fato normal no direito. O que não se pode permitir é que ela ponha em risco a segurança jurídica e a credibilidade do Poder Judiciário, valores superiores ao interesse contingente da arrecadação tributária.
Indaga-se, por fim, como identificar as situações passadas, que continuarão a reger-se pela antiga jurisprudência. Três alternativas se apresentam, equiparando-as:
1) às ações judiciais propostas antes da alteração jurisprudencial;
2) aos créditos aproveitados antes da alteração jurisprudencial e
3) aos créditos nascidos antes da alteração jurisprudencial, ou seja, às aquisições de produtos sujeitos à alíquota zero realizadas até então.
A primeira solução é inaceitável por submeter a critério processual a extensão temporal de um direito material, bem como por violar a isonomia. Com efeito, o sistema judicial brasileiro oferece ao contribuinte as opções de agir preventivamente à tomada de um crédito, ou de aproveitá-lo desde logo, reservando-se para defender-se se autuado. Esta segunda estratégia revela-se legítima sobretudo quando a questão esteja definida pelo Supremo, como acontecia quanto aos créditos de IPI por produtos sujeitos à alíquota zero. A adoção do critério ora criticado, ademais, estimularia a litigiosidade no futuro.
A segunda é também ofensiva à igualdade e à generalidade das normas jurídicas.
Em se tratando da definição do período de vigência de uma regra – a evolução interpretativa equivale à criação de nova norma sem alteração no texto da lei -, o único critério que se nos revela adequado é o da sua aplicação aos fatos ocorridos (no caso, às compras feitas) sob a sua égide: o tempo rege o ato.
Misabel Abreu Machado Derzi e Igor Mauler Santiago são advogados e sócios do escritório Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e