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Prof. Sacha Calmon tem artigo publicado no Jornal do Commercio
10 de setembro de 2009
O Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, publica hoje artigo do professor Sacha Calmon que saiu na coluna do Estado de Minas do final de semana.
OPINIÃO
Estado laico
Sacha Calmon
Sócio do escritório Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, professor titular de Direito Financeiro e Tributário da UFRJ e coordenador do curso de especialização em Direito Tributário das Faculdades Milton Campos, de Belo Horizonte
Encontra-se no Congresso Nacional a Mensagem Presidencial 134/2009. Aprovada, pode se tornar decreto legislativo, instrumento congressual de introdução no Direito brasileiro das normas dos tratados acordados pelo presidente, por ação do Itamaraty. No caso em apreço, trata-se de tratado entre o Brasil e o Vaticano, reconhecendo a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) como legítima representante do Estado do Vaticano no Brasil, para propiciar, por exemplo, currículos e professores para o ensino do catolicismo nas escolas públicas, sem necessidade do assunto – tão importante – ser apreciado novamente pelo Congresso, que representa o povo do Brasil, sejam eles católicos, protestantes, islâmicos, javeistas (ou da religião judaica), cristãos ortodoxos, espíritas (kardecistas e umbandistas), budistas, xintoístas, bramanistas ou mesmo agnósticos e ateus, que a Constituição assegura a todos os cidadãos igualdade de direitos e deveres, independentemente dos seus credos religiosos.
Lado outro, os templos de qualquer culto, e as instituições de educação e assistenciais religiosas são imunes aos impostos, desde que não remetam para o exterior seus lucros e os reapliquem integralmente no País, nos misteres educacional e assistencial, sejam lucros operacionais ou obtidos de fiéis ou de terceiros, pagadores ou doadores.
Caso contrário, são tributáveis. O que ressumbra disso tudo é o respeito do Estado brasileiro – que é laico, ou seja, sem religião oficial – por todos os credos, bem como a defesa da liberdade religiosa e sua proteção contra os oportunistas. Assim, não é incondicional a não-tributação dos templos de qualquer culto e de suas organizações voltadas à educação e à assistência social. Como corolário, podemos deduzir que o Estado brasileiro não pode ter religião oficial nem tampouco favorecer um credo em prejuízo dos demais, como impõe o princípio da igualdade.
Qualquer tratado, lei, decreto legislativo ou ato governamental, oriundos do Executivo ou do Legislativo, que desrespeitem o princípio da abstenção do Estado laico em face de os credos religiosos serem nulos ex radice, e, portanto, inconstitucionais, a sugerir a convocação do Supremo Tribunal Federal (STF) para resguardar a Constituição, da qual é responsável pela custódia.
O tratado entre o Vaticano e o Brasil oferta, ainda, um viés interessante. A única religião que tem um Estado é a católica: o Vaticano tem território, governo, banco, poder de polícia, emite passaportes eclesiásticos; é teocrático, religioso e tem chancelaria e embaixadores (os núncios), a poder celebrar tratados; é Estado politicamente soberano, como Andorra, Mônaco ou Luxemburgo, igualmente minúsculos territorialmente. É uma situação sem similar.
Não se parece com Israel, oficialmente um Estado judaico, mas que tolera outros credos, nem emparelha com a Turquia (85% da população é muçulmana), em que o Estado é radicalmente laico, desde Kamal Ataturk, aponto de proibir, como a França, a exibição em locais públicos e repartições do Estado de símbolos religiosos de quaisquer credos. O Vaticano tampouco se assemelha ao Irã, cujo governo é exercido pela hierarquia religiosa xiita (os aiatolás), que custo dia o primeiro-ministro. Mas no Irã, são toleradas, com restrições, outras religiões como a Bahá"i, tradicional credo da Pérsia.
O Congresso que tenha consciência do art. 19, inciso I, da Carta Magna: "É vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público (…)".
O tratado com o Vaticano está a merecer divulgação para conhecimento do povo brasileiro, diz Bianor, budista, mas adepto do Estado laico. Em nome da igualdade de todos perante a lei, políticos e religiosos de qualquer matiz, direta ou indiretamente, estão proibidos de entrar ou obter do Estado democrático de direito, laico e republicano, concessões de rádio e televisão. Vejam os Sarneys e os Macedos. Qualquer um do povo pode ter rádio e televisão, menos os que formam consciências e captam vontades: partidos políticos e religiões.
Vou além, penso que em matéria de radiodifusão de imagens e sons, em vez de concessões e permissões, que deixam as concessionárias à mercê do poder político concedente – veja-se o que está a ocorrer na Venezuela. Deveríamos adotar a liberdade de iniciativa sob a fiscalização das agências reguladoras. Haveria apenas uma proibição: políticos e religiosos não poderiam ser proprietários de mídia para a apologia de suas idéias. Podem ter acesso aos meios de informação, como todos; o que não podem é ser proprietários. Eis o Estado laico.