Notícias
Valter Lobato fala ao Conjur sobre creditamento de tributos na fase-pré-operacional
19 de agosto de 2011
O site Consultor Jurídico publicou, nesta quinta-feira, matéria contendo comentários do sócio Valter de Souza Lobato acerca do creditamento de tributos não cumulativos na fase pré-operacional, o que representa um entrave para a instalação de indústrias no país.
Investimentos travados
Aperto do Fisco atrasa infraestrutura, diz especialista.
Por Alessandro Cristo
Bola da vez na atração de investimentos externos, o Brasil anda na contramão quando se trata de tributação. O creditamento de tributos não cumulativos na fase produtiva ainda é um empecilho para indústrias que desejam se instalar no país. Apertados pelo fisco, os novos investidores sofrem com a impossibilidade de creditarem de PIS e Cofins embutidos nos preços de bens comprados como ativo imobilizado e de ICMS na fase pré-operacional de equipamentos, quando as estruturas ainda estão sendo montadas.
O tema foi debatido nesta quarta-feira (17/8) em evento organizado pela Associação Brasileira de Direito Tributário na Faculdade Milton Campos, em Belo Horizonte. O Congresso Internacional de Direito Tributário está em sua 15ª Edição anual, e este ano homenageia o professor Alberto Pinheiro Xavier.
Segundo o professor da Faculdade Milton Campos Valter Lobato, sócio do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi Consultores e Advogados, o impedimento de aproveitamento de créditos de PIS e Cofins de bens destinados ao ativo imobilizado determinado pela Lei 10.865/2004 desequilibrou o tratamento entre empresas que começaram a instalar equipamentos a partir de 2004 e aquelas cujo processo já havia se iniciado antes.
As Leis 10.637, de 2002, e 10.833, de 2003, instituíram o sistema não cumulativo dessas contribuições, permitindo o creditamento de insumos na produção, bem como permitiu o crédito de PIS e COFINS sobre os bens adquiridos até aquela data e destinados ao ativo imobilizado, mas com aumento nas alíquotas. Porém, em 2004, a Lei 10.865 vedou o crédito gerado por bens adquiridos como ativo imobilizado antes de 30 de abril do ano em que entrou em vigor, permitindo só os créditos gerados a partir de então. “A empresa que está se instalando agora leva vantagem, além de ser um claro ferimento ao direito adquirido quando do advento dos regimes não cumulativos, pois aquele direito ao creditamento já havia se incorporado ao patrimônio dos contribuintes”, disse Lobato. O tema já teve repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 599.316, e deve ser julgado em breve. O relator é o ministro Marco Aurélio.
Outro problema, de acordo com o professor, é a falta de uma regra mais clara sobre o valor dos créditos. “O cálculo deve se basear no valor de aquisição dos bens — o que inclui os impostos embutidos no preço —, ou no seu custo de aquisição, o que implica estorno de tributos reembolsáveis, mas a inclusão de todo e qualquer custo gerado na aquisição daquele bem?”, questiona.
Há ainda mais dificuldades geradas pela indefinição, no Brasil, sobre a natureza do crédito de tributos não cumulativos: se é física ou financeira. Quando o padrão adotado é o físico — como no caso do IPI —, apenas insumos que sejam incorporados à mercadoria geram créditos. No entanto, numa interpretação extremamente restritiva as Fiscalizações Estaduais não permitem créditos de produtos essenciais ao processo produtivo, tais como os refratários usados na siderurgia para revestimento de equipamentos de fundição. Caso fosse adotado o critério financeiro, este permitiria que qualquer produto, bem ou serviço usado na confecção dos produtos e que fosse tributado na etapa anterior geraria créditos tributários — como se aproxima , pelo menos em princípio, com o PIS e a Cofins não cumulativos. O problema não para por ai, pois até as edificações onde funcionam os parques industriais não são consideradas para o crédito de ICMS, pois tidas como alheias à atividade do estabelecimento.
Segundo Lobato, na Europa e na China o critério financeiro já foi adotado integralmente, o que reduz sensivelmente o custo das empresas. A jurisprudência brasileira, em princípio, lavou as mãos. O Supremo Tribunal Federal se posicionou no sentido de que essa definição deve ser feita por lei. “Contudo, em recentes julgados de Tribunais Regionais, do STJ e dos tribunais administrativos há uma maior compreensão do tema, tanto que o conceito de insumos que geram créditos na apuração do PIS e da COFINS tem se aproximado do conceito de despesa dedutível para o cálculo do IRPJ, o que se aproxima do ideal”, afirma.
Início difícil
As instalações industriais em fase de montagem, por sua vez, padecem com o ICMS. A título de comparação, em relação aos tributos federais, a Receita Federal permite que, enquanto o estabelecimento não gera saídas tributáveis, por exemplo, pode acumular os créditos na compra de maquinário e peças. O creditamento é feito com base na mesma taxa mensal de depreciação contábil dos ativos. A depreciação só começa, porém, quando as instalações passam a funcionar, o que também vale para os créditos.
Mas a Lei Complementar 87/1996 altera essa lógica em relação ao ICMS. O artigo 23 da norma, no parágrafo único, prevê que o prazo de cinco anos para aproveitamento dos créditos começa a ser contado quando os bens entram no estabelecimento, independentemente de ele ainda não estar operacional. Ou seja, como não gera saídas durante essa fase, o contribuinte perde boa parte do tempo a que tinha direito.
Como a lei também estabelece que os créditos gerados por ativo permanente devem ser creditados em 48 parcelas, “se a empresa somente tiver saídas tributadas a partir do 21º mês da entrada do bem, por exemplo, ela terá perdido parte de seus créditos, já que as 48 parcelas ultrapassam os cinco anos”, exemplifica Lobato. O advogado afirma defender clientes em pelo menos dois autos de infração estaduais que punem o creditamento indevido e cobram valores de mais de R$ 30 milhões cada um.
Segundo ele, a única saída possível seria a escrituração do crédito no momento da entrada do bem, para obedecer o regramento da Lei Complementar, opondo o saldo acumulado às saídas tributadas, quando estas ocorrerem ou estabelecer o início da contagem do prazo de 48 meses e da decadência em cinco anos somente quando o estabelecimento se tornasse operacional.
Em caso similar, o Conselho de Contribuintes de Minas Gerais, em maio do ano passado adotou a primeira alternativa. Em uma das poucas decisões no país sobre o assunto até agora, a 3ª Câmara de Julgamento, por unanimidade, reconheceu como válidos créditos gerados entre 2002 e 2005 pelo Consórcio da Hidrelétrica de Aimorés, formado pela Vale e pela Cemig. A usina construída na região só começou a funcionar em 2005. “Tem-se presente a ausência de norma específica para as aquisições de ativo imobilizado na fase pré-operacional das empresas”, disse em seu voto o conselheiro Roberto Nogueira Lima, relator do acórdão 19.555, no processo 01.000160061-76.
Segundo ele, embora o raciocínio de que o marco da contagem do prazo de 48 meses é o do início das atividades contrarie o rigor da Lei Complementar, “esse dispositivo constitui regra geral, que pode admitir interpretação diferenciada”. “O crédito será tomado a partir da data de aquisição do produto, em 48 parcelas, respeitado, em caso de crédito extemporâneo, o limite de cinco anos contados da data de aquisição dos bens”, concluiu.
O professor Valter Lobato concluiu sua palestra demonstrando a necessidade de se dar maior atenção aos créditos gerados na fase pré-operacional, pois segundo ele “as distorções atualmente existentes penalizam o princípio da não-cumulatividade, ferem o princípio da isonomia e maltratam os investimentos tão necessários a um país que ainda está longe de atingir seu estágio ideal de industrialização”.
Alessandro Cristo é editor da revista Consultor Jurídico
Revista Consultor Jurídico, 18 de agosto de 2011