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Valor Econômico: Sacha Calmon é citado em texto sobre repatriação
02 de dezembro de 2016
O professor Sacha Calmon foi citado em texto de Edison Fernandes, no Jornal Valor Econômico, sobre o tema repatriação.
Edison Fernandes
Tão logo fora publicada, a mal apelidada Lei de Repatriação teve a sua natureza analisada: tratar-se-ia de direito tributário ou de direito criminal?, haja vista que se concedeu anistia penal, conquanto mediante o pagamento de imposto e sua respectiva multa administrativa. Essa distinção, relevante doutrinariamente, para a finalidade de adesão, teve pouco efeito prático. Findo o seu prazo, nova natureza emerge para caracterizar a lei sobre regularização de ativos no exterior, qual seja, a de direito financeiro.
O direito financeiro regulamenta as finanças públicas, que, de um lado, inclui a matéria tributária, por se tratar de arrecadação de receitas públicas, destinadas à manutenção das funções estatais. E, de outro, a aplicação dos recursos públicos arrecadados, disciplinando, especialmente, as despesas públicas. Também é matéria de direito financeiro a repartição das receitas públicas arrecadas pela União, porque parte delas é transferida aos demais entes da Federação (Estados e municípios).
Ao contrário do que se viu antes, incluir os mais de R$ 46 bilhões, arrecadados com a anistia cambial e tributária, no âmbito do direito financeiro tem uma repercussão prática de vital importância na atual situação econômica do país: qual a parcela dessa arrecadação que deve ser transferida a estados e municípios – somente o valor do imposto ou também o valor da multa.
De acordo com a Constituição Federal (artigo 159), do produto da arrecadação do imposto sobre a renda, a União fica com praticamente a metade (51%), sendo que a outra metade (49%) é repartida da seguinte forma: 21,5% para os Estados; 24,5% para os municípios; e 3% para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, por meio de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à região.
Considerando que o programa de regularização de ativos no exterior (Lei de Repatriação) exigiu o recolhimento de 15% a título de imposto sobre a renda e 15% a título da multa respectiva, discute-se agora – inclusive judicialmente – qual é o “produto da arrecadação” a ser repartido entre os demais entes da Federação. Esse assunto pode ser esclarecido pelo direito tributário.
O Código Tributário Nacional (CTN), ao conceituar tributo (artigo 3°), gênero do qual imposto é uma espécie, exclui expressamente a multa, quer dizer, embora imposto e multa gerem recursos financeiros para os cofres públicos, eles não se confundem na sua natureza. São, pois, institutos distintos. Acontece que essa distinção não é o suficiente para resolver a questão da repartição dos recursos arrecadados pelo programa de regularização de ativos no exterior.
Em outro dispositivo, o mesmo CTN estabelece que a obrigação tributária tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária (artigo 113, parágrafo 1°), quer dizer, a multa pelo não recolhimento do tributo. Apesar de esses artigos parecerem contraditórios, os estudiosos do direito tributário encontram explicações para a compatibilização entre eles.
Para efeito deste texto, podem ser citados o professor titular da USP Luís Eduardo Schoueri, para quem tributo e multa têm o mesmo regime jurídico, embora se distingam entre si. No mesmo sentido, o professor titular da UFMG Sacha Calmon Navarro Coêlho explica que eles são cobrados da mesma maneira e com os mesmos privilégios.
De maneira diferente, entende um dos decanos do direito tributário no Brasil, o professor Ives Gandra da Silva Martins. Para ele, o tributo aproximar-se-ia de uma penalidade, tendo em vista que, se fosse voluntário, poucos pagariam impostos, pois se trata de uma invasão à propriedade privada (rejeição social), ainda que legítima. O tributo (no caso deste texto, o imposto de renda) não pode ser utilizado para punir os cidadãos, como é a multa administrativa. Mas, uma vez que esta última seja aplicada, ela se converte em obrigação tributária – da mesma forma que o tributo.
A multa administrativa, em matéria tributária, tem duas finalidades: prevenir que o contribuinte recolha o tributo (por medo) e punir no caso de não pagamento (como castigo). Assim, verifica-se que o tributo e a respectiva multa, embora sejam distintos, têm uma inter-relação bastante próxima, quase essencial. A arrecadação tributária, então, deve incluir os valores recolhidos tanto a título de tributos quanto a título de multa.
Quando o imposto sobre a renda deixa de ser recolhido, perdem, praticamente de maneira igual, a União e os entes federados (estados e munícipios). Todos eles ficam sem o produto da arrecadação desse imposto, o que compromete as suas finanças públicas. Em momento posterior, sendo esse imposto exigido e recolhido com os devidos acréscimos – multa e juros -, o valor integral da arrecadação deve ser compartilhado entre os membros da federação, na proporção determinada no texto constitucional.
No caso da regularização de ativos no exterior (Lei da Repatriação), fossem esses ativos tributados no momento certo, sem a aplicação de qualquer penalidade, tanto a União como Estados e municípios receberiam a sua parcela. Por não terem sido declarados, a falta de tributação desses ativos prejudicou não só a União, mas também os Estados e municípios. Portanto, os benefícios do mencionado programa, que exigem o pagamento de imposto e multa, devem contemplar a todos os entes federados, tal como dispõe a Constituição Federal.