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Valor publica artigo de Igor Mauler relativo à coisa julgada tributária

25 de julho de 2011

O Valor Econômico  publicou, nesta segunda-feira, no Caderno de Legislação & Tributos, artigo do sócio Igor Mauler Santiago sobre a relativização da coisa julgada tributária.

Legislação & Tributos

As involuções da coisa julgada tributária

Igor Mauler Santiago

Enquanto hesita em proclamar o dogma da infalibilidade tributária, o Brasil cuida de dar indulgência plenária aos seus procuradores fiscais. De fato, salvo os casos de mudança de posição do Supremo Tribunal Federal (STF), cuja eficácia temporal é modulada pela Corte, só por erro dos advogados do Fisco (falta ou falha nos recursos cabíveis) uma decisão passa em julgado a favor do contribuinte antes de uma manifestação definitiva do Supremo.

Para esses casos, é fato, há a ação rescisória, sempre admissível em tema constitucional, desde que proposta em até dois anos do trânsito em julgado. Mas isso é pouco para o Estado, porque a definição do STF pode vir depois daquele prazo; porque a rescisória, mesmo cabível, pode ser negligenciada; porque não se quer esperar o término desta ação para voltar-se a cobrar o tributo; e porque se deseja exigi-lo quanto aos fatos ocorridos enquanto vigia a coisa julgada do particular, como se esta nada valesse.

Para corrigir aqueles descuidos e propiciar esses abusos, o Congresso e o Ministério da Fazenda têm-se esmerado em soluções heterodoxas. Primeiro foi a relativização da coisa julgada, enxertada no artigo 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil (CPC). Pela regra, o contribuinte que obtém decisão final contra o Estado será impedido de executá-la se aquela aplicar lei a qualquer tempo julgada inconstitucional pelo STF, ainda que não tenha havido rescisória.

A coisa julgada não é sagrada, como queriam os antigos, e há casos em que pode ser superada mesmo após o transcurso de muito tempo. Exemplos disso são a recente admissão pelo STF de nova ação de investigação de paternidade, quando a anterior tenha sido movida antes da criação ou da difusão do exame de DNA (RE 363.889), e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pela revisibilidade de indenização exorbitante fixada em ação de desapropriação (REsp. 602.636).

Trata-se de hipóteses excepcionalíssimas, onde o primado inclemente da coisa julgada afrontaria direitos fundamentais, como o de conhecer as próprias origens, ou chancelaria decisões altamente suspeitas.

A essa deficiência moral, àquele amargo anacronismo, cujas raridade e contundência falam por si, não pode ser equiparado, como causa de flexibilização da coisa julgada, o trivial erro dos advogados de uma das partes.

Constituindo cláusula pétrea da Constituição (artigo 5º, XXXVI), a coisa julgada – salvo casos limites – deve sempre prevalecer, só podendo ser impugnada nas formas previstas pelo constituinte originário (ação rescisória e revisão criminal).

Isso basta para demonstrar a inconstitucionalidade da relativização, como assentaram o ministro Celso de Mello (RE 594.350) e o STJ, em acórdão liderado pelo ministro Luiz Fux, hoje no STF (REsp 671.182).

Achando pouco, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional editou o Parecer nº 492, de 2011, aprovado pelo ministro da Fazenda, afirmando que o Fisco está liberado, a partir do acórdão do STF que julga constitucional o tributo, para exigi-lo, quanto aos fatos futuros, do contribuinte detentor de coisa julgada em contrário.

A ousadia face à já espúria relativização está em que esta pressupõe a obtenção, pela Fazenda, de decisão judicial específica quanto a cada contribuinte, filigrana ora dispensada, em proveito próprio, pela PGFN.

O parecer começa do artigo 471, I, do CPC, segundo o qual a coisa julgada vale enquanto mantidas as condições de fato e de direito em que proferida a decisão. E acresce, com razão, que “as modificações nas circunstâncias jurídicas (…) capazes de fazer cessar a sua eficácia vinculante são aquelas que (…) alteram o próprio sistema jurídico vigente”.

Daí pula para a afirmação de que a tanto equivaleria o acórdão do STF que dá pela constitucionalidade de um tributo, concluindo que a partir dele se estancaria a vigência das decisões divergentes já tornadas definitivas.

O desacerto é triplo. De saída, porque a declaração da constitucionalidade de uma lei não inova no ordenamento jurídico. Só confirma a presunção que a revestia desde o início. Depois porque admitir que o STF modifique positivamente o sistema (“que passa”, diz o parecer, “a ser integrado por um novo elemento”) constitui afronta a outra cláusula pétrea – a separação dos Poderes (artigo 60, parágrafo 4º, III): a Corte mantém a regra ou a anula, mas não a cria. Por fim, porque o efeito vinculante das decisões do STF atinge o Judiciário e o Executivo (artigos 102, parágrafo 2º, e 103-A), mas não o particular, sobretudo o detentor de decisão irrecorrível.

As duas últimas razões explicam por que a invalidação do tributo pelo STF livra de seu pagamento futuro o contribuinte jungido a decisão definitiva que o declarava constitucional, sem que a recíproca seja verdadeira.

E isso não ofende a isonomia, pois os princípios são – diz a Constituição – limitações ao poder de tributar, protegendo o cidadão contra o Estado, mas não funcionando na mão inversa. E carece de proteção quem elabora as leis, executa-as de ofício e decide de sua aplicação? A coisa julgada não é santa. Mas não vamos abusar.

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